Além da religião


Já escrevi muito sobre religião, já falei muito sobre o tema. Acho que de tanto falar, numa das minhas últimas exposições, uma pessoa me questionou sobre a frase “eu sou um religioso” dizendo que em outros momentos, segundo ela eu disse não ser. Confesso que não lembro do momento onde afirmei não ser religioso, mas supondo que isso tenha sido verdade, creio que não se trata de uma contradição, mas do contexto onde cada frase foi dita.

Se procurarem nos meus blogs o tema apareceram cerca de 60 textos, que abordaram o conceito de religião, a diferença entre religião e Evangelho, a relação entre transtornos mentais e religião, entre outros.

Assim, podemos voltar uma questão: a religião é algo perigoso para alma? É preciso superar a religião? Evidente que para respondermos essa questão temos que voltar ao conceito de religião. Como já tratamos disso em outros textos, ressalto aqui apenas que não se pode confundir religião com o caminho da fé. Quando isso acontece é uma tragédia para a alma. A religião é a crença, portanto um fenômeno social, jamais pode ser confundido com a fé que é uma experiência existencial singular.

Então é preciso sempre entender que a fé está além da religião, e impedir que essa se torne um impedimento daquela. E quando a religião se torna um perigo?

Primeiro quando a o discurso religioso não corresponde a experiência, a vida. A maioria dos religiosos por muito falarem e amontoarem para si tantas regras e doutrinas, tornam a sua experiência religiosa uma mentira prática, pois não vivem de acordo com o que dizem, isso é péssimo para a alma, pois os conduzirá a viverem uma farsa, uma espécie de vida dupla. É exatamente isso que Jesus critica nos religiosos de seu tempo (Mt. 23.28).

Esses discursos descolados da vida vão se tornando em verdadeiros processos de loucuras. A realidade começa a ser negada, e os absurdos vão surgindo. A religião torna-se um peso mas tem que ser confessada como alívio; torna-se uma desgraça mas tem que ser confessada como graça; torna-se um mal mas tem que ser confessada como um bem. O que você acha que isso faz com a alma?

A relação do religioso, nesses termos, passa a ser uma relação esquizofrênica. Precisa confessar que ama um Deus que não prática não passa de um grande fiscal estraga-prazeres da vida. Tendo que viver atrás de um ideal impossível, enquanto vai negando a própria vida.

Uma das maiores lições de Eclesiastes é nos mostrar que o mundo é um só e o mesmo para todos, justos e injustos, bons e maus, crentes e ateus, religiosos e não religiosos. Não há benefícios para um ou para o outro. O sol nasce para todos, só não sabe quem não quer, já anunciou Renato Russo.

A diferença que Deus faz na vida do crente não é nas circunstancias externas que todos os homens estão sujeitos, mas no interior, na consciência, na alma. E mesmo essa diferença não faz do crente um ser especial, superior ou melhor como numa escala de valores. Essa ideia de ser melhor ela não é da fé, ela é da religião, sob os termos que estou me referindo. Nesse sentindo a religião provoca arrogância, e isso é péssimo para a alma.

O resultado desse mal, é culpa exagerada e fora do campo das responsabilidades. Ou seja, não se trata de culpas reais, produzidas por erros simples e humanos, trata-se de culpa imaginária produzida por um ideal impossível. Resultado dessa culpa, mais culpa, num ciclo interminável que posso batizar de inferno. Sim! Essa religião promete o céu, mas lhe dá o inferno.

É preciso superar a religião, ou pelo menos deixar ela no seu lugar, no lugar de manifestação pública de crença. E jamais confundi-la com o caminho da fé.

Um dos melhores caminhos para isso é abandonar toda e qualquer barganha com Deus. Com Deus não se negocia. Pare de achar que pode fazer o que não pode. Pare de prometer. Para de buscar ideais descolados da vida.

Ir além da religião é entender que temor do Senhor, não é o medo de Deus, antes a reverência por sua grandiosidade. E que caminhar no caminho da Graça é saber que não são os ritos, os dogmas, ou os valores morais que determinam nossa fé, aliás, é possível ter todas essas coisas e não ter fé alguma. Ir além da religião é se desvencilhar de tudo que é peso a fim de tornar a caminhada mais leve, inclusive sua caminhada na comunidade cristã.

Ivo Fernandes
18 de fevereiro de 2017




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